segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Pot Pourri






Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, o dinossauro ainda estava lá. O despertador gritava ensandecido, mas os murros na porta é que os havia perturbado.
- Peço-lhe calma, estou metamorfoseado num inseto monstruoso!
- Outra vez? Já é a terceira esse mês. Esteja no carro em quinze minutos e traga esse dinossauro inútil com você!
Vestiu-se de pronto e perfumou seus incontáveis suvaquinhos. Escovou os dentes do colega de quarto com uma escova de limpeza profunda. Em 13 minutos estavam ambos na calçada.
- O dinossauro vai atrás. - gritou o gerente, fazendo o bicho baixar a cabeça, desapontado.
- Você sabe bem que ele prefere Augusto. Faz de propósito.
- Não confio em ninguém que adota o nome do melhor amigo morto.

Em verdade, o gerente cultivava um sério preconceito cretáceo. Frequentemente era ouvido soltando comentários desprezíveis nos corredores, insistindo que os dinossauros deveriam ter sido extintos milhões de anos atrás e que não mereciam espaço no mercado de trabalho. Só o talento assustador e o pacifismo de Augusto o mantinham no emprego.

Este, no banco de trás, enchia os olhos de lágrimas. Seus pequenos soluços só eram abafados pelo barulho do motor.

Rom tom tom tom tom.

Num piscar de olhos estavam no prédio. Com seus crachás liberaram as catracas e seguiram depressa para o elevador. Gregor e Augusto desceram no quarto andar e sentiram o olhar fuzilante do gerente em suas nucas até a porta prateada se fechar. Bateram as patas na máquina de ponto e sentaram-se em seus respectivos postos de atendimento.

O barulho dos telefones e do coro de vozes era enlouquecedor, mas hoje era um dia feliz para Gregor. Fazia seu melhor trabalho quando transformado, digitando as informações dos clientes como um verdadeiro atleta dos teclados, e ultimamente via-se inseto por períodos cada vez mais longos. Sua voz era um grunhido ininteligível, pequeno empecilho que não o atrapalhava em nada - rapidamente descobrira que não precisava ser compreendido para vender qualquer coisa.

Tendo acabado de fechar um pacotão promocional de 500 canais mais telefone celular mais internet mais cachorro e delivery de leite, cheio de felicidade, Gregor levantou-se da cadeira para acenar um cumprimento ao amigo quando, de súbito, foi atingido em cheio na cabeça por algo que parecia muito ser uma perna. Caído ao chão de perninhas para o ar, teve que ser socorrido pelos colegas ao seu lado. Ao ser levantado, assustou-se com um grunhido estrondoso.

- ROOOOOOOAAAAAAUUUUUUUUUUUR.

Augusto urrava para o teto, os olhos arregalados em fúria, sua meia centena de dentes a mostra e toda tingida de vermelho. Arqueava as garras ameaçadoramente enquanto pisoteava algo que se parecia muito com o tronco do gerente. A perna aos pézinhos de Gregor também se parecia muito com a perna direita do gerente. Uma atendente visivelmente abalada segurava em suas mãos uma bola de sangue que lembrava bastante a cabeça do gerente, tirando toda a parte do sangue.

- ROOOOOAAAAAURRRRR, repetiu Augusto. Seus olhos encontraram os de Gregor e era como se tivesse recebido uma dose letal de tranquilizante. Baixou as garras e suspirou fundo, como se tivesse decepcionado o amigo. Sentou-se no chão e esperou as coisas acontecerem.

Durante os três anos seguintes Gregor foi seu único visitante na prisão. Desde o incidente não revertera a forma humana e, já amigo dos guardas, o permitiam entrar na cela de Augusto e se aconchegar no teto. Os dois conversavam durante duas ou três horas, mas nunca sobre o mundo lá fora, política, trabalho, famílias ou fofocas. Falavam sobre os livros que Augusto devorava, as novas músicas favoritas de Gregor ou recordavam um passado distante. Certas visitas consistiam só no silêncio da companhia um do outro.

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, o dinossauro não estava mais lá. Mal conseguiu levantar-se da cama, desacostumado com os quatro membros desengonçados, pesados e ásperos que terminavam em pequenas articulações agoniantes. Quando pôs-se de pé, olhou-se no espelho e não resistiu a ânsia; vomitou um líquido verde e pastoso por toda a extensão do canapé. Não recordava de ser tão repugnante.

Literalmente correu, com suas duas pernas, até a prisão. Lá deu de encontro com uma procissão de rostos fúnebres. Não o deixaram ver o corpo. Era forte demais, disseram. Enforcamento, disseram. Vai ficar tudo bem, disseram. Você supera, disseram. É uma lição, nós temos que dar mais valor a vida, disseram.

Foram semanas de coisas ditas.

Gregor nunca mais voltou ao emprego. Alugou um quarto de hotel no centro da cidade onde depositou todos os seus tostões a troco de comida e roupa lavada. Passava as tardes deitado na cama encarando o teto, ouvindo o tempo passar, as vezes pensando em Augusto, as vezes não.

Naquela tarde em específico demorou vinte minutos para ouvir o interfone tocar. Mandou que subisse quem quer que fosse.

A porta se abriu revelando um respeitoso advogado. Carregava consigo uma maleta e boas notícias.

- Veja, senhor Samsa, sou responsável pela família do falecido Augusto Monterroso. Há semanas venho tentando encontrá-lo, mas você parece ser um homem bem reservado. Precisamos discutir alguns detalhes sobre o testamento do falecido, em especial, uma quantia destinada a sua posse.

O advogado sorria bastante. Esforçava-se para ser amigável. Aparentemente, por relatos do próprio, muita gente reclamava esse dinheiro. Gregor nunca havia ouvido Augusto pronunciar qualquer um dos nomes envolvidos.

Por educação, levou o advogado até o salão. Apertaram as mãos e se despediram. O advogado ainda sorria.

Gregor subiu o elevador respirando profundamente. Não tinha ideia de onde o dinossauro havia conseguido tanto dinheiro, nunca tocaram em tal assunto. Era quase um milionário agora. Quase um milionário.

Entrou no quarto e, com extrema confiança, dirigiu-se ao guarda roupa. Da prateleira superior retirou um revólver e, sem delongas, atirou na própria cabeça.

domingo, 9 de agosto de 2015

baseado em fatos reais

hey miçangirl
partiu meu coração
papapa papapa
esse ponto sem nó
essa ponta sem nós
heeeey

hey miçangirl
partiu meu coração
hahaha hahaha
esse ponto sem nó
essa ponta sem nós

no morrinho no masp na pôr-do-sol
um enlace de olhares vermelho cannabiol
guilhermina-esperança, essa mina de maresia
encontrei na estação uma prima da poesia

fui me perder no ondular dos seus cachos
tentei segurar mas já estava tão alto
caindo dos céus, baixando a pressão
ela apertava entre os dedos meu coração

me ensinou a fazer colar
me colou em seus lábios
me encantou como um sabiá
fez sentir-me tão sábio

seu sorrir de pantera dichavou minha mente
plantou algo em mim sem muda ou semente
mas a seda acabou e a brisa bateu
sem nem avisar, miçangirl me esqueceu

bolado de lado pra fumar depois
esse cheiro de mato só lembra nós dois

hey miçangirl
partiu meu coração
papapa papapa
esse ponto sem nó
essa ponta sem nós
heeeey

hey miçangirl
partiu meu coração
hahaha hahaha
esse ponto sem nó
essa ponta sem nós

você acha que é só fazer o chá
pra eu voltar




quarta-feira, 29 de julho de 2015

disseram que eu só sei falar mal das minas

namorei uma poetisa
impossível de parar
poetava o tempo todo
precisava nem de bar
era praça era viela
era beco era esquina
era madá era favela
entre os manos entre as minas
poetava para mim
e poetava para os outros
poetava quando queria
nunca ouvia desaforo
transformava sapo em príncipe
e decepava o vacilão
encantado é o caralho
queria revolução
mas cê já viu o trampo que dá
deixar poetisa feliz?
ela gozava dos meus lábios
gemendo "ó o verso que fiz"
e com uma mão guiava a minha
pra baixo rumo ao seu grelo
a boca no meu ouvido
arrepiando meus pelos
rimava cada suspiro
sem ter timidez alguma
escrevia em meu peito
rasgando a carne com as unhas
recitando entre os dentes
e a língua no meu pescoço
versos quentes como a ponta
do tridente do tinhoso
pois o inferno é até gostoso
em questão de temperatura
comparado com a pele
escaldante da criatura
que subindo as paredes
me fodia nas alturas
ca boceta e as palavras
que porventura misturava
com seus berros de prazer
convite prum duelo
que jamais consegui vencer
calcinha nos tornozelos
o cabelo bagunçado
o vestido já rasgando
e o batom todo borrado
me prendia com as coxas
me afogava em sua garganta
me deixava em fiapos
poetisa que não cansa
aproveitando minha fraqueza
num sorriso sem pudor
ela pedia para ouvir
uns poeminhas de amor
"pra me deixar satisfeita
você vai ter que rebolar
quer dizer, poetar"
menina de bom humor
gritava aos quatro ventos
"poemais, poemais"
e eu entrava de cabeça
"poemais, poemais"
 então fiz esse poema

quinta-feira, 16 de julho de 2015

todos os dias descobrem:

novo anel de saturno
novo microorganismo letal
novo planeta habitável
novo estilo musical
novo escândalo federal
novo new new new new 3DS
novo caso de polícia (ou de família)
novo serial killer (do bom senso)
novo entorpecente (esse é bom)
novo dedo do lula
novo cheiro nas unhas
novo celta 2015 com porta até embaixo
novo canal na tv (eu mesmo nunca vi todos)
novo conteúdo ilegal no seu hd
novo filho do mussum
novo craque no futebol de botão ou que seja
novo método científico de dar um passo atrás
novo motivo pessoal para não querer mais
novo pâncreas
novo signo
novo câncer
novo halls
novo bauhaus e eu odeio bauhaus a banda
novo segredo de aumento peniano dos caramoja de uganda
novo garoto propaganda
novo samba
novo creme dental
novo disco do michael jackson
novo fã do mc brinquedo (irônico ou não)
novo trevo de sei lá mil folhas
novo aumento
novo estrago
novo impávido colosso
novo osso
novo poço de petróleo dentro da sua casa
novo dinossauro com asa
novo dicionário do que tem graça ou não
novo pão com trigo geneticamente modificado
novo parente distante do corvo

novo
novo ovo
novo novo novo
novonovo
novo

ufa

todos dias eu me descubro
e só sinto frio

imagina a primeira pessoa que se ofendeu com dedo do meio que maluca

imagina o filho dela, careta
chato
não pode fazer nada
não pode mostrar o dedo, é feio
não pode coçar, é feio
não pode cutucar o nariz, é feio
não pode apontar, é feio
não pode dedar, é feio
pode nem se tocar, que é feio
até pensei que o problema fosse o dedo
mas o filha delo, careta
chato
não pode fazer nada
não pode pôr a língua pra fora, é feio
não pode arrotar, é feio
não pode falar alto, é feio
não pode brigar, é feio
não pode tirar a roupa, é feio
não pode encostar no outro, é feio
não pode beijar na boca, é feio
não pode chegar tarde, é feio
melhor nem sair na rua, é feio
não pode faltar à missa, é feio
não pode deixar o cabelo crescer, é feio
não pode errar o soletrando que é feio
ai dele se for vista com menina, é feio
e com menino pior, é muito feio
imagina a primeira pessoa que se ofendeu com dedo do meio que maluca
se fosse hoje
mostrava meu cu pra ela

terça-feira, 7 de julho de 2015

bonequinha inofensiva

você podia me beber
me derramar
me espalhar pelo teu corpo
sobre os peitos, sobre as coxas
e o teu sexo em chamas
e me acender em tuas chamas
me fumar, queimar inteiro
apagar-me no cinzeiro
da tua boca
tua garganta rouca
de gritar tão louca
de tanto me ter e meter

mas prefere me guardar em um potinho
eternamente indesejado
entre nós um tupperware

hoje é terça mas poderia muito bem ser sexta

hoje é sexta, dia de breja
dia de beijo
(dia de brejo?)

hoje é sexta de ficar sussex
de comprar jontex
e ficar só sex

hoje é sexta de suar na cama
ou se tiver com sono
dia de coma

hoje é sexta de peraí guenta um minuto
tô quase acabando
de mudar o mundo

hoje é sexta de esquecer de tudo
(inclusive deixei a carteira
no criado-mudo se alguém puder pagar a conta por favor)

hoje é sexta de ir na quermesse
de quer moça?, hmmmm quero moço
cremoso

hoje é sexta de logo anoitece
de "não, não se apresse
a gente (quase) não se conhece"

hoje é sexta de deitar na sarjeta
de que dia é hoje?
- senhor hoje é sexta

hoje é sexta de vai deixa
pra semana que vem
ninguém se importa com isso aí que cê faz mesmo

hoje é sexta de de se beber não case
cos brother go out
terminar num blecaute

hoje é sexta de meu deus como eu acabo esse poema?

hoje é sexta
amanhã também
ontem também
hoje é sexta
amém